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domingo, 5 de agosto de 2012

O Programa de Recuperação de Alcoólicos Anônimos na visão de um Profissional

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imageDra. Sandra Lúcia de Oliveira Rodrigues da Silva

Psicóloga

Custódia Não-Alcoólica – Presidente da JUNAAB

A cooperação com a Comunidade Profissional é um dos objetivos de Alcoólicos Anônimos desde os primeiros tempos da Irmandade.

Uma das maneiras pelas quais os co-fundadores de Alcoólicos Anônimos conseguiram manter a sobriedade foi levando a mensagem de A.A. aos alcoólicos internados em hospitais.”

A Irmandade dos Alcoólicos Anônimos nasceu holística (do grego holos: o todo, inteiro, integro, completo). Antes do surgimento do tratamento de Alcoólicos Anônimos eram principalmente os médicos, os psicólogos e os clérigos que tentavam ajudar os alcoólicos a alcançar a sobriedade.

Bill W. e o Dr. Bob, co-fundadores, fizeram com que o eficiente tratamento de Alcoólicos Anônimos fosse um trabalho inclusivo; souberam sintetizar o que havia de melhor nos tratamento médicos, psicológicos e espirituais da época, acrescentando a eles a ajuda da empatia e compreensão que um alcoólico sente pelo outro, o conhecimento que têm do alcoolismo, de seus sintomas e consequências e da ajuda mútua que podem se dar.

Em “Três Palestras às Sociedades Médicas” por Bill W., co-fundador da Irmandade, Bill nos mostra como conseguiu ter uma compreensão profunda do essencial do trabalho feito na época com os alcoólicos e como esse essencial hoje faz parte do tratamento de Alcoólicos Anônimos.

Exemplo: Sobre o tratamento do médico e psicanalista Dr. Carl Gustav Jung. “Poucas pessoas sabem que as primeiras raízes de A.A. encontraram solo fértil há 30 anos em seu consultório médico”.

“Essa deflação profunda (do ego) é atualmente a pedra angular dos princípios de A.A. Ali, no consultório do Dr. Jung, esse princípio foi aplicado pela primeira vez”.

Sobre o trabalho do psicólogo William James: “Ebby me trouxe um livro intitulado “Variedades da Experiência Religiosa” e o devorei. Eu tive a formação de engenheiro e a visão autorizada do psicólogo significou tudo para mim. Esse renomado cientista da mente veio confirmar tudo o que o Dr. Jung havia dito e ele havia documentado exaustivamente tudo o que havia afirmado. Desse modo, William James confirmou os fundamentos pelos quais eu e muitos outros temos nos mantido sóbrios todos esses anos. Eu não tenho tomado nenhuma bebida alcoólica desde 1934”

Sobre a contribuição de seu médico, Dr. William D. Silkworth: após viver o estado de êxtase espiritual que deu início à sua sobriedade, Bill W. o contou ao Dr. Silkwort e sobre isso escreveu: - “Após interrogar-me cuidadosamente, assegurou-me de que eu não estava louco e que talvez tivesse tido uma experiência psíquica que poderia resolver o meu problema. Como um homem de ciência cético, que era até então, essa foi uma resposta compreensiva e sagaz. Se tivesse dito “alucinação”, eu poderia agora estar morto. A ele dedico minha eterna gratidão.

“Nessa conjuntura a primavera de 1935, o Dr. Silkwort advertiu-me de que eu havia esquecido tudo a respeito da deflação profunda do ego. Havia-me transformado em um pregador. E me disse: - “Por que você não coloca a dura realidade da medicina a estas pessoas antes de mais nada? Esqueceu o que disse William James sobre a profunda deflação do ego? Dá-lhes o fato médico, com toda clareza. Não lhes conte do “clarão”. Enumere extensivamente os seus sintomas, a fim de estabelecer uma profunda identificação. Se você agir desta forma, os seus candidatos poderão vir a adotar os singelos princípios morais que você vem tentando ensinar a eles. Aqui estava a contribuição vital para síntese. E uma vez mais foi feita por um médico”.

Sobre o grupo Oxford, diz Bill W.: O paciente, Sr, Roland escolheu o grupo Oxford da época como sua instituição religiosa. Terrivelmente castigado e quase sem esperança, entrou em grande atividade no grupo. Para suja alegria e assombro, prontamente cessou sua obsessão por bebida”.

Conclui Bill W.: “Porque nos entendemos e precisamos um do outro (Bill W. e Dr. Bob) estabeleceu-se uma reciprocidade pela primeira vez. Esse encontro marcou o fim da minha postura de pregador. Essa ideia da necessidade mútua, acrescida ao ingrediente final da síntese da medicina, religião e da experiência do alcoólico constitui agora Alcoólicos Anônimos”.

Alcoólicos Anônimos funciona principalmente através de reuniões locais, onde os alcoólicos ajudam-se mutuamente a usar o programa de recuperação de A.A.”

“Este programa é centrado principalmente nos Doze Passos, princípios baseados nas experiências de recuperação dos primeiros membros. Os Passos não são apenas uma maneira de se permanecer sóbrio, mas um programa de vida sugerido”.

Os Doze Passos de A.A. são um programa de vida tão bem sucedido que hoje mais de 150 tipos de grupos dedicados a doentes crônicos trabalham alicerçados pelos mesmos Doze Passos (Fumantes Anônimos, Neuróticos Anônimos, Comedores Compulsivo Anônimos, Narcóticos Anônimos, Diabéticos Anônimos, etc.). Extremamente inteligente Bill W. soube captar de profissionais e grupos os mais especiais da época a essência do que realmente ajudava em cada método de tratamento. Soube encadear o tratamento em uma ordem gradativa, crescente, convincente, curativa e irretocável. E foi iluminado ao perceber o alcance da ajuda mútua e o poder curativo do serviço que cada membro da Irmandade presta ao outro.

“Os profissionais que trabalham com alcoólicos compartilham um trabalho comum com A.A.: ajudar o alcoólico a deixar de beber e a levar uma vida produtiva e saudável”.

Como profissional da psicologia, observo em meu trabalho diário com clientes, drogadictos ou não, que a essência do atendimento psicológico tem pressupostos muito semelhantes ao trabalho de recuperação de A.A.

Observo que Alcoólicos Anônimos tem dois pontos básicos comuns com o grupo terapêutico: ambos são semi-fechados, os participantes podem interromper o tratamento a qualquer momento e novos membros podem vir a fazer parte, tanto de um grupo terapêutico como de um grupo de A.A., mas de um grupo terapêutico só participará o cliente que for selecionado pelo terapeuta e do grupo de A.A. só participará o doente alcoólico que deseja parar de beber.

Além disso, é pressuposto básico e essencial dos dois tipos de grupo a regra do sigilo: o que for ouvido em um grupo terapêutico ou em um grupo de A.A. deve morrer ali.

Tenho observado, em relação aos Doze Passos, que:

Primeiro Passo: A maioria dos clientes fez múltiplas tentativas de sozinhos reorganizar e re-orientar suas vidas em novas bases mais satisfatórias, antes de verificar que não o conseguiriam e enfim se considerar impotentes frente à transformação pretendida e buscar a terapia...; da mesma forma, também muitos alcoólicos tentaram inúmeras vezes aprender a beber contidamente ou parar de beber sozinhos antes de procurar a Irmandade, onde as vezes chegaram já no fundo do poço.

Segundo Passo: Quando se vê impotente para transformar sozinho a sua vida como gostaria, o cliente procura o psicólogo confiante de que este poderá ajudá-lo; da mesma forma, quando se vê impotente frente ao álcool e encontra à sua volta, em A.A., muitos alcoólicos sóbrios e felizes, o alcoólico recém-ingressado se dispõe a acreditar – hesitante ou resolutamente que há um Poder Superior que poderá ajudá-lo a se manter sóbrio mesmo que este poder seja o de seu grupo de Alcoólicos Anônimos.

Terceiro Passo: Aí o cliente finalmente procura o terapeuta que escolheu, pede que ele o atenda, aceita que o atendimento seja feito em determinado horário, paga pelo atendimento o combinado e se dispõe a seguir as regras que norteiam o atendimento individual e as de grupo terapêutico; da mesma forma, o alcoólico que ingressou em Alcoólicos Anônimos se entrega finalmente ao Poder Superior, na forma em que ele O concebe e aceita as regras de funcionamento de Alcoólicos Anônimos.

Quarto Passo: Em cada sessão individual ou de grupo o cliente foca basicamente sua vida passada e presente, seus conflitos, dificuldades e seus desejos e receios futuros; a terapia só evolui quando o cliente abandona a posição de vítima e assume a responsabilidade pela sua vida; da mesma forma, o membro de Alcoólicos se dispõe a, por escrito, fazer um minucioso e destemido inventário moral dele mesmo assumindo a responsabilidade por seus atos e escolhas.

Quinto Passo: Na sessão terapêutica o cliente explicita muitas conquistas e alegrias, mas também muitos receios, mágoas, falhas, limites e dificuldades. É muito importante que o cliente de psicologia procure para ouvi-lo, um profissional competente e com experiência no tratamento a que se propõe; da mesma forma, o quinto passo de quem segue o programa de vida de A.A. consiste em admitir perante Deus, perante ele mesmo e perante outro ser humano que pode ser, por exemplo, um companheiro, um terapeuta ou um clérigo a natureza exata de suas falhas.

“Esta pessoa poderá estar inteiramente desligada de Alcoólicos Anônimos, por exemplo, seu preceptor religioso ou seu médico. Para alguns de nós, uma pessoa totalmente estranha poderá ser a melhor escolha”. (De: os Doze Passos e as Doze Tradições).

Sexto Passo: Há um momento na terapia em que o cliente começa a admitir abrir mão de alguns “problemas de estimação” que insistia em conservar; da mesma forma, o membro de A.A. começa a se prontificar a deixar que Deus remova todos os seus defeitos de caráter.

Sétimo Passo: Há um momento na terapia em que o cliente quer se aprofundar em assuntos que negava ou de que fugia; de forma semelhante, o praticante dos Doze Passos se desapega de suas falhas e roga humildemente ao Poder Superior pedindo que o livre de duas imperfeições.

Oitavo Passo: Ao focar seu passado, presente e futuro, o cliente de terapia, com frequência, percebe que causou danos de diversas espécies, se arrepende disto, tenta reparar o mal que causou e se dispõe a tentar a não repetir aquele tipo de ação ou de atitude; da mesma forma, o membro de A.A. relaciona as pessoas às quais prejudicou e se dispõe a reparar os danos a elas causados.

Nono Passo: O cliente de terapia com frequência percebe que não pode fazer reparações diretas a todos as pessoas a quem prejudicou, há situações em que seu arrependimento só será ouvido pelo terapeuta , mas suas ações, com certeza, se transformarão; da mesma forma, o membro de A.A. fará reparações diretas por danos causados a outros, sempre que possível.

Décimo Passo: A investigação própria e permanente torna-se um hábito regular para o cliente de terapia; o mesmo acontece com o membro de A.A. que passa a admitir, aceitar e tentar corrigir, pacientemente, os defeitos no seu cotidiano.

Décimo Primeiro Passo: O cliente de terapia torna-se melhor companhia para si mesmo: há momentos em que busca a serenidade através da introspecção, do silêncio e de um melhor contato consigo mesmo; passa a aceitar melhor a dificuldade e a tentar lidar melhor com elas; o membro de A.A. pratica a meditação e a oração como vias para um Poder Superior, recebe melhor e lida melhor com as dificuldades da vida.

Décimo Segundo Passo: O cliente que persiste no tratamento terapêutico transforma a sua vida cotidiana, transmite uma mensagem positiva através do exemplo e passa a convencer mais pelo exemplo que pelas palavras; aumenta sua necessidade de viver uma vida mais útil para a sociedade e a ajudar pessoas que sofrem; de forma semelhante, o membro de A.A. que pratica este Passo vê a resposta para seus problemas e tenta praticar os princípios de alcoólicos Anônimos em todas as suas atividades; ajudar a quem precisa passa a ser seu maior prazer.

Conclusão: Fico maravilhada ao ver a abençoada eficácia alcançada pelos primeiros AAs: o método de recuperação que criaram, a partir de seu amor pelo outro, sua inteligência, sua experiência e, sem dúvida, da graça advinda do Poder Superior, fez com que esta fraternidade pouco tenha mudado nos seus abençoados anos de vida.

Em 1935, a fraternidade Alcoólicos Anônimos começava com o auxílio mútuo que Bill W. e Dr. Bob S. se prestavam. Esse auxílio transbordou para milhares de outros alcoólicos que se tornaram sóbrios e garantiu a sobriedade dos membros de A.A., os Alcoólicos Anônimos não têm governantes, só tem membros servidores. E conseguiram tudo isto ancorados:

· Nos singelos Doze Passos, essência do Programa de Vida sugerido por A.A., princípios baseados nas experiências de recuperação dos primeiros membros.

· Nas Doze Tradições, princípios de conduta sugeridos que garantem a sobrevivência e o crescimento de A.A. como um todo.

· Nos Doze Conceitos, uma interpretação da estrutura de Serviço Mundial de Alcoólicos Anônimos.

Parabéns, Alcoólicos Anônimos, nestes anos de vida profícua e abençoada. E parabéns para nós, amigos de A.A. e seu programa de vida. Que muito trabalho nos espere!

Bibliografia: Livros: Alcoólicos Anônimos, Os Doze Passos e as Doze Tradições, livretos e publicações diversas de A.A., especialmente “Três Palestras às Sociedades Médicas”, Se Você For um Profissional, Falando em reuniões de não-alcoólicos e Alcoólicos Anônimos em Instituições de Tratamento.

Revista Vivência - Edição nº 123 - pág. 52

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