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domingo, 10 de fevereiro de 2013

Como podemos manter o A. A. simples?

Como podemos manter o A. A. simples?

Este número da Grapevine (revista de Alcoólicos Anônimos dos Estados Unidos) chegará às mãos de seus leitores em julho, o mês em que celebramos o vigésimo quinto aniversário de A. A. em Long Beach, Califórnia. Cruzaremos um novo portal para o nosso futuro. Nos alegraremos ao pensar nas dádivas e nas maravilhas do ontem. E voltar a consagrar a realizar a imensa promessa do amanhã, sem dúvida consideramos nossa posição atual. Conseguimos manter “A. A. simples” ou inadvertidamente, cometemos algum erro?
Ao refletir sobre estas questões, comecei a considerar nossa estrutura básica: aqueles princípios, relações e atitudes que formam a substância de nossos Três Legados de Recuperação, Unidade e Serviço. Em nossos Doze Passos e Doze Tradições, encontramos vinte e quatro princípios bem enunciados. Em nosso Terceiro legado se incluem os estatutos para serviço mundial que prevê a existência de milhares de representantes de serviços gerais, centenas de membros de comitês locais, oitenta delegados da Conferência de Serviços Gerais, junto com o pessoal de nossa Sede, especializados em assuntos legais, financeiros, de Relações Públicas e de publicações e seus ajudantes. Nossos serviços de Grupo e de área contribuem ainda mais para esta aparente complexidade.
Na primavera passada, completaram-se 22 anos do estabelecimento de nossa junta de custódios para o A. A. no seu todo. Até aquele momento, não havíamos tido princípios enunciados nem serviços especiais. Não havíamos sequer sonhado com os Doze Passos. E quanto às Doze Tradições, basta dizer que éramos uns quarenta membros com apenas três anos de experiência. Assim que não tínhamos muito que fosse “tradicional”. A. A. era composto dois Grupos pequenos um de Akron e outro em Nova Iorque. Éramos uma família muito íntima. O Dr. Bob e eu éramos os “papais”. Naqueles dias, se fazia o que nós dizíamos. As salas de reuniões eram as salas de estar de nossas casas. A vida social se desenvolvia ao redor dos cafés nas mesas de nossas cozinhas. O alcoolismo se considerava, certamente, como uma enfermidade mortal. A honradez, a confissão, a reparação dos danos, o trabalho com outros e a orientação eram a única fórmula para nossa sobrevivência e desenvolvimento. Esses eram anos sem complicações, de facilidade. Não havia necessidade da máxima: “Mantenham-no simples”. Não podíamos ter sido menos complicados.
O contraste entre então e agora é impressionante. Para alguns de nós é horripilante. Portanto, perguntamos: “Terá seguido o A. A. a advertência do Dr. Bob de mente-lo simples?” Como poderíamos enquadrar os Doze Passos, as Doze Tradições, a Conferência de Serviços Gerais e Convenções Internacionais de hoje com nosso A. A. original de “cafés e bolos”?
Para mim, não me parece difícil fazê-lo. A simplicidade autentica de hoje se encontra, creio eu, em qualquer princípio, prática e serviço que sirvam para assegurar para sempre nossa harmonia e eficácia geral. Portanto, foi melhor anunciar claramente nossos princípios do que deixá-los em termos vagos; melhor classificar suas aplicações do que deixá-las indefinidas; melhor organizar nossos serviços do que deixá-los ao azar ou não ter nenhum método para realizá-los.
Um retorno à época da mesa da cozinha não nos daria a desejada simplicidade. Só poderia significar a irresponsabilidade, a discórdia e a ineficácia em grande escala. Imaginem: não haveria princípios orientadores bem definidos, não haveria literatura, nem salas de reunião, nem apadrinhamento planejado, nem direção estável, não haveria relações bem estabelecidas com os hospitais, nem saudáveis Relações Públicas, nem serviços locais ou mundiais. Voltar a essa época de simplicidade dos dias do passado seria tão absurdo como vender o volante, o depósito de gasolina e os pneus do carro da família. O carro seria sem dúvida uma coisa simples – eu não teria que comprar gasolina ou pagar os consertos. Mas nosso carro não andaria. A vida familiar apenas se poderia considerar mais simples; logo porém ficaria confusa e complicada.
Uma anarquia exposta de A. A., animada unicamente pelo espírito de “reunamo-nos”, simplesmente não nos basta para os Aas de hoje. O que em 1938 dava bons resultados para uns quarenta membros não vai funcionar para os 200.000 Aas de 1960. Nossa maior grandeza, e por conseguinte, nossas maiores responsabilidades constituem a diferença entre a infância de A. A. e a sua maioridade. Nos demos conta de como seria idiota tentar recuperar a simplicidade que conhecíamos em nossa infância para desta forma evitar a simplicidade com a qual sempre temos que enfrentar para “mantê-lo simples” hoje. Não devemos atrasar o relógio nem devemos tentar fazê-lo.
A história da evolução de nossas idéias a respeito da “simplicidade para hoje” é fascinante. Por exemplo: chegou a hora em que tivemos que codificar – ou organizar, se assim o preferem – os princípios básicos que havia, surgido de nossa experiência. Colocou-se muita resistência à essa idéia. Muitos membros expressavam a firma convicção de que, com a publicação dos Doze Passos estava-se complicando o muito simples (ainda que algo confuso) programa de recuperação transmitido por palavras. Dizia-se que “estávamos atirando a simplicidade pela janela”. Mas não era assim. É só perguntar-se, “Onde se encontraria hoje o A. A. sem os Doze Passos?” Só Deus sabe o bem que se fez com a enumeração precisa e a publicação destes princípios em 1939. A codificação simplificou muito a nossa tarefa. Quem pode dizer o contrário agora?
Em 1945, elevou-se o clamor parecido quando enunciaram-se claramente nas Doze Tradições de A. A. sólidos princípios para vier e trabalhar juntos. Nos parecia muito difícil chegar a um acordo a respeito. Não obstante, quem pode dizer agora que as Tradições complicaram nossas vidas? Ao contrário, estes princípios tão claramente definidos simplificaram grandemente a tarefa de manter a unidade. E para nós, os Aas, a unidade é uma questão de vida ou morte.
O mesmo aconteceu em todas as partes com nossos serviços ativos, especialmente os serviços mundiais. Quando se criou nossa primeira junta de custódios de A. A., havia graves inquietações. As pessoas sentiam-se muito alarmadas porque esta operação supunha certos trâmites legais, certas questões de autoridade e de dinheiro e algumas transações comerciais. Dizíamos alegremente que A. A. havia “separado completamente o material do espiritual”. Portanto, produziu-se uma grande emoção quando o Dr. Bob e eu propusemos os serviços mundiais; quando insistimos que estes serviços tinham que estar encabeçados por uma junta permanente; e ainda quando dissemos que havia chegado o momento de que – pelo menos nessa esfera – teríamos que colocar o material a serviço do espiritual. Alguém que tivesse experiência teria que tornar à direção, e teria que haver gasolina no depósito de A. A.
A medida que nossos custódios e seus colegas começaram a levar nossa mensagem para todo o mundo, pouco a pouco nossos temores começaram a desaparecer. A. A. não se havia tornado mais complicado. Havia se simplificado. Podiam perguntar a qualquer um das dezenas de milhares de alcoólicos e seus familiares que estavam chegando ao A. A. graças aos nossos serviços mundiais. Suas vidas sem dúvida haviam sido simplificadas. E, em realidade, as nossas também.
Quando em 1951 reuniu-se pela primeira vez a nossa Conferência de Serviços Gerais, voltamos a conter a respiração. Para alguns estes acontecimentos significavam um desastre total. Agora as brigas e as politicagens seriam a norma. Nossos piores traços de caráter tomariam a dianteira. A serenidade de nossos custódios e de todos os demais se veria transtornada (como as vezes de fato aconteceu). Poriam se obstáculos à nossa grandiosa espiritualidade e à terapia de A. A. Alguns se embebedariam por esse motivo (e de fato, alguns o fizeram). Mais forte do que nunca se ouvia gritar: “Pelo amor de Deus, mantenham-no simples!” Alguns membros protestavam. “Por que o Dr. Bob, Bill e os custódios não podem continuar dirigindo estes serviços? Essa é a única forma de mantê-lo simples”.
Porém, poucos sabiam que o Dr. Bob estava doente de morte. Ninguém parou para pensar que em breve só restariam um punhado de pioneiros; e que também estes não tardariam em desaparecer. Os custódios se encontrariam muito afastados e desconectados da Irmandade a qual serviam. O primeiro grande vendaval os poderia derrubar. A. A. sofreria um ataque do coração. Quase com total certeza o resultado seria um colapso irreparável.
Portanto, nós Aas tivemos que tomar uma decisão: O que seria realmente o mais simples?
Conseguiríamos estabelecer essa Conferência de Serviços Gerais, apesar de seus gastos e perigos particulares? Ou ficaríamos em casa de braços cruzados, esperando as funestas conseqüências de nosso temor e nossa insensatez? Nos perguntávamos, o que seria melhor a longo prazo, e, portanto, o mais simples? Como revela nossa história, nos colocamos em ação. A Conferência de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos acaba de celebrar sua décima reunião. Com toda certeza sabemos que este instrumento consolidou nossa unidade e assegurou a recuperação de milhares de alcoólicos enfermos que ainda estão por vir.
Por conseguinte, creio que temos mantido a fé. Na minha opinião, foi agindo da maneira como temos feito que conseguimos que o A. A. seja verdadeiramente simples. Pode ser que alguns ainda nos perguntem: Não estaremos nos afastando de nossa Tradição original segundo a qual “A. A. como tal, nunca deverá ser organizado?” Absolutamente, não.
Não estaremos “organizados” enquanto não criarmos um governo; enquanto não dissermos quem deve ou não ser membro; enquanto não autorizarmos nossas juntas e comitês de serviços a impor castigos por falta de afinidade, por não contribuir com dinheiro ou por mau comportamento. Eu sei que cada AA em seu coração compartilha a convicção de que nunca poderá acontecer nenhuma dessas coisas. Simplesmente organizados, nossos princípios para que se possam entender melhor, e continuarmos organizando assim nossos princípios com a finalidade de poder fazer uma transfusão do sangue vital de A. A. aos que sem ele morreriam. Nisto consiste exclusivamente a “organização” de A. A. Nunca poderá haver mais. Uma pergunta para terminar: “Terá desaparecido do mundo de A. A. a época de café e bolos de amizades íntimas porque nós estamos modernizando?”

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