Dr. José Antonio Elizondo Lópoez - Diretor do CAIPA Centro de Atenção Integral em Problemas de Adicções - México
Abstinência e sobriedade não têm o mesmo significado.
Abstinência significa simplesmente deixar de consumir álcool, ou droga da qual se é dependente;
Sobriedade significa aprender a viver em abstinência através de um contínuo crescimento emocional que permita alcançar a maturidade.
Em outras palavras: a soma de abstinência e maturidade constituem a sobriedade.
Muitos alcoólicos deixam de beber, mas não crescem emocionalmente. Embora abstenios continuam sendo uns “bebes emocionais”.
Essas pessoas padecem do que se chama “Síndrome da Bebedeira Seca”.
A Síndrome da Bebedeira Seca é uma forma de neurose sofrida pelo alcoólico em recuperação que se conforma só com deixar de beber.
Esta Síndrome impede a plenitude de vida do alcoólico, provocando a persistência de seus problemas familiares, laborais, sociais e a continuidade da insatisfação e da infelicidade. A Síndrome da Bebedeira Seca constitui UMA DAS PRINCIPAIS CAUSAS DAS RECÍDAS NOS ALCOOLICOS.
Alcançar a abstinência é só o principio.
O verdadeiro caminho para a recuperação começa no momento em que se consegue uma absoluta convicção da necessidade da abstinência.
A abstinência é o alicerce sobre o qual se vai construir o edifício da sobriedade.
1 – Imaturidade e infantilidade: interrupção do crescimento emocional e persistência das dependências.
E o sintoma essencial da bebedeira seca: a incapacidade de crescer emocionalmente. Embora já não beba, o alcoólico continua sendo uma criança na sua maneira de pensar, de manejar suas emoções e de se comportar. Ao continuar com uma criança emocional, não vai conseguir se comportar como um adulto responsável que possa alcançar os seus objetivos da vida. Como bons “bebes emocionais”, esses alcoólicos continuam dependentes de figuras como mãe, o pai, os irmãos, a esposa, os amigos, o chefe, etc. Essa dependência impede-lhes obter duas condições fundamentais na sobriedade que são: AUTONOMIA E RESPONSABILIDADE. Ao ficarem atados emocionalmente em outras pessoas continuam culpando-as de seus fracassos existências e jogando no papel de vitimas.
2 – Atitude permanente de desonestidade perante si mesmo e aos demais.
A desonestidade é um mau habito que o alcoólico adquire no desenvolvimento de sua doença.Engana mente, inventa pretextos, promete mais não cumpre, faz trapaças, não respeita a regra do jogo, pede emprestado mais não paga, oferece “propinas” para evitar ser detido e pratica outros tipos de corrupção. Essa inércia de desonestidade permanece mesmo depois que o alcoólico deixa de beber. Continua mentindo para sua esposa, continua sem pagar as dividas, persistem as promessas não cumpridas, etc. Freqüentemente continua mentindo a seu terapeuta ou fala mentiras no seu grupo é difícil à prática cotidiana da honestidade. O mais grave dessa situação é que o alcoólico passa a acreditar em muitas dessas mentiras, persistindo na atitude de fugir na sua própria realidade e não aceita.
3 – Amargura e insatisfação emocional pela persistência dos ressentimentos.
Embora já não beba o alcoólico não consegue alcançar a plenitude da vida onde possa vir a sentir a satisfação por viver. Fica descontente, inconformado, com muitas áreas de amarguras na sua vida e sem poder saborear o mel da sobriedade. Parar de beber constitui para ele uma obrigação e não uma convicção e a recaída é muito freqüente entre os insatisfeitos existências. Além disso, ainda guarda muitos ressentimentos de sua vida passada que não consegue superar. Irrita-se com as pessoas e com o mundo. São os típicos “bêbados secos” encadeados ao passado que não conseguem aplicar o ditado: “Só por Hoje”.
4 – Permanente sentimento de culpa auto desvalorização, auto piedade e tendência ao auto castigo.
Estes tipos de alcoólicos são os que arrastam um lastro terrível de culpa acumulado no passado e que ainda não conseguem se perdoar. Continuam sentindo-se com culpa por muitas situações, como a morte de algum ente querido, a doença de algum de seus filhos ou o fracasso de outros. São pessoas com baixo alto estima e com uma forte tendência ao perfeccionismo. Como não conseguem perdoar a si mesmo (embora outros já os perdoaram), se sentem menores que os outros e com sentimentos de auto desvalorização pessoal. Para liberta-se da carga, desenvolvem uma necessidade neurótica de expiação, caindo em condutas auto destrutivas, fazendo sabotagem dos seus sucessos e não acreditando que possam merecer a felicidade. Estas tendências auto destrutivas podem provocar-lhes uma recaída.
5 – Egocentrismo, auto-suficiência neurótica, agressividade injustificada e tendência á onipotência.
O egocentrismo no alcoólico é a compensação neurótica de um complexo de inferioridade e de baixa auto-estima, da mesma forma que acontece com todos os emocionalmente infantis. Isto os leva a uma atitude de compensação e procuram continuar chamar a atenção dos outros. Por isso quando ficavam bêbados, eram os “encrenqueiros da festa”. Uma vez deixando de beber, direcionam o seu egocentrismo ao membro da família, aos companheiros do grupo, ao trabalho ou ás pessoas em geral, desenvolvendo atitudes conflituosas com agressividade, que freqüentemente chega ser ingovernável, entrando em contínuos conflitos com os outros e desenvolvendo assim a incapacidade para sobriedade.
A auto-suficiência neurótica faz referencia não ao auto-suficiente produtivo, que é conseqüência da maturidade, mas a aquele que continua pensando que não precisa da ajuda dos outros e que sozinho pode resolver tudo, o que leva a tomar decisões erradas para resolver seus problemas existências. Quando a auto-suficiência neurótica fica exacerbada converte-se em onipotência, que é o defeito de Carter mais grave no alcoólico. A onipotência é uma forma patológica do orgulho. É desenvolvido um complexo de superioridade para disfarçar um profundo sentimento de inferioridade.
6 – Medos permanentes: atitudes de temor perante os desafios da vida com angustia e tensão continuas.
Muitos alcoólicos vivem eternamente angustiados. De fato, já viviam em tensão muito antes de beber e o que os levou ao alcoolismo foi à necessidade de aliviar suas tensões através do álcool. Esses indivíduos são geralmente muito inseguros, apreensivos, vivem em constante estado de tensão e desenvolvem muitos medos. Medo dos problemas, medo dos conflitos, medo de doenças, medo de responsabilidades, medo de ser adulto, medo do trabalho, medos dos perigos do cotidiano, medo da morte, etc. Não tem a possibilidade de viver no presente, vivendo projetados no futuro. Ficam angustiados por coisas que ainda não aconteceram. Isto obviamente afeta sua saúde, vivendo continuamente em tensão e em stresse prolongado, passando a apresentar sintomas diversos como: enxaqueca, dores nas costas, suor excessivo, transtorno do sono e do apetite, entre outros. Em algumas ocasiões a sua angustia é tão severa que podem sofrer de outras desordens psiquiátricas tais como fobias, obsessões, compulsões ou ataques de pânico. Esse tipo de alcoólico em recuperação, além de seu grupo de A.A., deve receber atenção especial de um psiquiatra.
7 – Depressão cíclica ou permanente com atitudes de pessimismo desmotivação e baixa energia.
Outro tipo de alcoólico e dependente em recuperação sãos os depressivos. São pessoas muito vulneráveis no aspecto emocional. Com freqüência ficam tristes, com baixa energia, incapacidade para desfrutar da vida, tem tendência á tristeza e á apatia, são desmotivadas existencialmente. Sentem pouco desejo de viver e em outras ocasiões muito desejo de morrer. Da mesma maneira que no sintoma anterior (angustia) corresponde ao que se chama “transtorno dual”, isto é, significa que o enfermo tem, além do seu alcoolismo e dependência, outra doença psiquiátrica, porque a angustia e a depressão são doenças que afetam a saúde mental e por isso requerem uma atenção médica especializada.
8 – Ingovernabilidade sexual e sentimental
O perfil psicológico do alcoólico e do dependente tem a característica de apresentar dificuldade para manejar os impulsos do tipo sexual e sentimental. Já apresentava essas tendências, mesmo antes de iniciar-se na bebida alcoólica. Como é uma pessoa insegura e de baixa auto-estima, tem muitos problemas para envolver-se com o sexo oposto. E por isso que recorre á “muleta emocional” do álcool tem coragem de fazer coisas que sem a bebida não consegue, mas se faz de maneira mal planejada e pior realizada. Muitos alcoólicos declararam seus sentimentos a uma mulher quando estavam bêbados e depois ficaram arrependidos depois. Por outro lado, no momento da intoxicação alcoólica podem ser deturpados os instintos sexuais mais primitivos, levando a pessoa a realizar condutas indesejáveis como violência sexual (violação, estrupo, sadismo) ou conduta homossexual. Muitos alcoólicos que já não bebem continuam “secos” porque persistem com atitudes de violência sexual (machismo e ciúmes patológicos). Não é possível falar em sobriedade quando o alcoólico em recuperação continua controlando, ameaçando, batendo ou manifestando ciúmes ao seu cônjuge. Às vezes existem problemas de ejaculação precoce, impotencia sexual ou frigidez. A infidelidade com seu parceiro (a) e a tendência á promiscuidade sexual é outra manifestação da bebedeira seca no nível sexual e sentimental. Muitos ingovernáveis sexuais acabam desenvolvendo um dependência sexual ou co-dependencia sentimental com seu parceiro (a).
9 – Negação da sua realidade não alcoólica, com a persistência dos mecanismos de racionalização e projeção.
Embora se mantenha em abstinência este “bêbado seco” continua sendo um negador. E embora não negue o seu alcoolismo, continua negando um serie de defeitos de caráter, que não consegue enxergar nem aceitar, impedindo seu crescimento emocional. Este tipo de alcoólico fica muito irritado, quando alguém os confronta e lhes mostra seus defeitos e mudam de grupo com freqüências porque se sentem atacados pelos depoimentos dos outros. Também rejeitam quaisquer tipo de psicoterapia profissional, argumentando ignorância dos médicos e psicólogos cm respeito ao alcoolismo e ao Programa de A.A. Estes alcoólicos seguem buscando culpados por todo mal que lhes acontece.
10 – Substituição do álcool por outras substancias ou condutas dependentes
Muitos alcoólicos deixam de beber, mas substituem a sua conduta compulsiva alcoólica por outro tipo de drogas como maconha, a cocaína, os inalantes ou as “balas” (drogas sintéticas). Muitos outros deixam de beber, mas no seu lugar começam desenvolver condutas tais como o jogo compulsivo, o sexo compulsivo, ou a dependência ao trabalho. Às vezes caem na auto medicação de comprimidos tranqüilizadores ou se fazem dependentes do tabaco (cigarro|).Às vezes os alcoólicos em recuperação esquecem que o tabagismo também é uma dependência doentia e mata o mesmo numero de pessoas que o alcoolismo. Não devemos nos esquecer que no alcoolismo o comportamento por beber excessivamente é só um sintoma de um transtorno mais profundo, que é caracterizado por uma estrutura patológica de natureza dependente de origem genética, o que a torna a ser dependente de qualquer tipo de substancia ou conduta que provoca uma estimulação no centro de recompensa do cérebro. Esta estrutura doente do alcoólico o conduz a lidar mal com todas aquelas situações existências que geram angustia ou estresse. A isto se chama: ”ingovernabilidade emocional”.
11 – Espiritualidade ausente ou muito empobrecida, com orgulho intelectual, tendência ao materialismo e pouca fé.
Muitos alcoólicos se recuperam fisicamente, conseguem uma melhor governabilidade das suas emoções e alcançam uma melhoria no seu funcionamento e na sua atuação social, mas não experimentam um despertar espiritual, que é uma condição fundamental para alcançar uma sobriedade íntegra. Não devemos esquecer que a essência do programa dos Doze Passos é fundamentalmente espiritual, e que além da recuperação psicofísica e social, deve haver uma recuperação espiritual, ou seja, a recuperação da fé. Fé em si mesmo, nos demais, no mundo e num “Poder Superior”, que todos temos, incluindo os agnósticos. A crise de valores que vivemos na atualidade, refletida num materialismo a qualquer preço em que o valor superior é o sucesso econômico e a posse de bens de consumo, faz com que fiquemos afastados de Deus e dos supremos valores do Espírito. A espiritualidade ausente ou empobrecida é também o reflexo de um orgulho intelectual e de uma Auto-suficiência existencial própria de certos alcoólicos em recuperação que conseguiram um bom nível cultural, de riqueza, de poder ou de prestigio. Essa carência de humildade os faz cair numa soberba progressiva que pode degenerar num dos mais graves sintomas da bebedeira seca que é a onipotência. Aquele que se considera onipotente pensa que ele mesmo é o seu “Poder Superior”.
12- Comportamento inadequado no seu grupo de Alcoólicos Anônimos, com seus companheiros ou com os princípios do Programa.
A falta de crescimento emocional provoca uma distorção do entendimento a tal grau que o alcoólico em recuperação distorce a filosofia e os princípios do programa dos “Doze Passos”, e por isso apresenta um comportamento inadequado no seu grupo. Interpreta á sua maneira e conveniência os princípios básicos do programa, nos quais focaliza mais a compensação das suas carências neuróticas que o bem-estar comum, a Unidade e o Serviço. Ao invés de se converter numa testemunha de sobriedade e bom juízo, ele se converte no típico membro de A.A. inconformado e critico com tudo que se faz no grupo. Exemplos de condutas erradas desses “bêbados secos” são a LUTA PELO PODER, A INVEJA, OS RESSENTIMENTOS COM OUTROS COMPANHEIROS, O EXIBICIONISMO, AS CRITICAS DISSONANTES, AS FOFOCAS E AS POLITICAGENS. Outros manifestam a sua bebedeira seca adotando uma conduta de extrema passividade no seu grupo: Não fazem depoimento, não lêem a literatura, não cooperam com o serviço, só escutam com passividade, bebem café e criticam os demais. Vão aos grupos por motivações neuróticas como fazer negócios com outros companheiros, pedir dinheiro emprestado (e sem pagar) se envolver emocional e sexualmente com as companheiras ou companheiros do sexo oposto. A recuperação integral do alcoolismo e de outras dependências constitui um processo longo e complicado que todo doente em recuperação deveria ter em conta. Alcançar a sobriedade implica em praticar qualidades tais como a liberdade, a responsabilidade, a honestidade e a humildade, desenvolvidas numa linha de disciplina, perseverança, determinação em fazer trocas e manter-se de mente aberta. Uma vez alcançada a sobriedade, consegue-se o crescimento emocional progressivo e sem limites, que conduz ao objetivo final do tratamento que é alcançar a felicidade.
Fonte: Revista Vivencia n SET/OUT 2008 Págs.(21 22,23 e 24).
Nenhum comentário:
Postar um comentário