"Eu ainda possuía uma bela casa em um bairro nobre da minha cidade, um carro do ano e um diploma de médico".
Foi lá pelos idos do outono de 1982, que um amigo me convidou a assistir uma reunião de Alcoólicos Anônimos.
Dizia ele que era para dar apoio moral a um irmão seu, que havia recentemente ingressado em A.A.
Relutei muito, pois não acreditava neste negócio de grupos de auto-ajuda.
Como psiquiatra eu me achava o supra sumo da saúde mental. Se nós médicos não resolvêssemos, ninguém jamais resolveria. Ainda por cima eu pensava ser esta doença mais moral que orgânica ou mental.
Acabei indo a tal reunião, somente pela grande afetividade que nutria pelo meu amigo. Não gostei. Achei que aquele povo, em sua maioria analfabeto, nunca poderia ajudar a mim ou a algum outro. Mais uma vez dormi embriagado, naquela noite.
Não passava por minha cabeça que o convite não era por causa do irmão do meu amigo, pois ele não necessitava da minha ajuda, já que tinha o A.A. eu, sim, que era um homem carente, prepotente e emocionalmente doente. Antes de ser médico eu era um ser humano, e como tal poderia ser portador de qualquer doença, inclusive o alcoolismo.
Eles não iriam me ensinar medicina; iriam me informar como parar de beber, pois eu não sabia e isto não tinha nada a ver com meu lado intelectual.
Mas eu possuía um defeito muito perigoso, o orgulho, que era como uma venda a tampar minha visão, não me permitindo enxergar e entender isto.
Seis meses se passaram.
Eu ainda possuía uma bela casa em um bairro nobre da minha cidade, um carro do ano e um diploma de médico. Não tinha mais amigos nem colegas e meu consultório estava fechado há tempos; minha família havia me abandonado.
Minha esposa se foi e com ela se foram também meus dois filhos, ainda crianças. No dia 21 de novembro de 1982, acordei na minha grande e vazia casa, numa tremenda ressaca e muito depressivo. Olhei para as paredes do meu quarto e vi duas fotos dos meus filhos sorrindo para mim. Neste momento notei o que eu havia perdido. Tudo estava terminado. Não podia suportar a idéia de morrer aos poucos com estes tremendos sofrimentos. Só restava uma saída: o suicídio.
Como tinha dois revolveres, fui pegar um deles, o de maior calibre para dar um tiro em minha cabeça. Não encontrei nenhum deles, minha esposa antes de partir tinha dado fim nestas armas. O pânico tomou conta do meu ser. Tinha medo da vida e também da morte. O que fazer? Instintivamente me ajoelhei e gritei com toda minha força: - MEU DEUS ME AJUDE!
Recordo-me que naquele momento uma espécie de serenidade tomou conta de mim. Meu quarto parecia estar cheio de pessoas amigas e eu me sentia mais só. Fui ao telefone e liguei para meu amigo, que com um membro de A.A. me levou a uma clínica de desintoxicação.
Ao sair de lá comecei a frequentar as reuniões de Alcoólicos Anônimos, sendo que até hoje não mais bebi nem tive vontade de beber, pois encontrei a humildade.
Reconquistei tudo que havia perdido inclusive minha família.
Hoje sei que se ainda vivo é somente pela Graça de Deus e pela nossa querida Irmandade: Alcoólicos Anônimos.
A vida é o dia-dia.
O hoje é tudo que temos. E qualquer pessoa pode passar um dia sem beber.
Primeiro tentamos viver no presente só para não beber e vemos que funciona. E, depois que essa ideia se torne parte de nosso modo de pensar verificamos que viver a vida em pedacinhos de 24 horas é uma forma eficaz e agradável de lidar com outros assuntos também.
(Viver Sóbrio) JB. /Cuiabá/MT Vivência nº. 103 Set. /Out. 2006.
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