O mês de abril de 1939 continuou transcorrendo, num ano muito difícil.
Houve momentos de luz que só foram reconhecidos como tal muito mais tarde.
Um deles foi à chegada de Marty M., a primeira mulher a conseguir sobriedade duradoura em Alcoólicos Anônimos.
A.A. havia sido levado ao seu conhecimento de maneira forçada, quando ela estava internada no Sanatório Blythewood, em Greenwich, Connecticut. O psiquiatra Harry Tiebout, diretor médico do sanatório já estava interessado no movimento e recebeu com antecedência uma cópia do Livro Azul impressa em off-set, solicitando sua avaliação. Entregou o livro a Marty, uma mulher de 34 anos tão atraente quanto difícil. De início, ela se recusou a ler o livro, mas finalmente concordou e leu-o pulando as páginas e discutindo-o com ceticismo e desdém. "Não suporto esses Ds maiúsculos", disse."Não acredito em Deus e não quero ler um livro inteiramente sobre Deus". O pessoal do A.A. se auto-hipnotizou, disse ela a Tiebout, desafiadoramente; eram todos fanáticos. Como Tiebout continuou pressionando-a, ela decidiu ler apenas o suficiente para ter elementos e provocar uma discussão com o médico. Essa discussão intelectual continuou durante meses, até o dia em que
Marty entrou numa crise de ressentimento e fúria. Nesse momento de ódio, contava ela, viu literalmente tudo em vermelho, inclusive as páginas do livro aberto sobre sua cama. Mas recordou que, "no meio da página havia uma linha que não estava vermelha, mas de um negro azeviche, que se destacava como se tivesse sido entalhada na madeira. E a linha dizia: Não podemos viver com raiva". Foi o suficiente. Fiquei de joelhos ao lado da cama, creio que por muito tempo, porque a colcha tinha uma grande marca das minhas lágrimas. Senti algo naquele quarto, e a principal sensação era de ser livre. Eu sou livre!
Pouco depois desse incidente, Marty assistiu pela primeira vez uma reunião de A.A. Dei uma olhada no lugar e nunca havia visto tanta gente em minha vida. Havia provavelmente 30 ou 40 pessoas. Lois apareceu, abraçou-me e disse: - estávamos há muito tempo esperando por você, sabia? E queremos que desça. Venha. Nunca havia sentido tanto amor quanto o daquela mulher e segui-a escada abaixo, como um carneirinho. Ficou evidente para mim, nessa primeira noite, que Bill era um líder. O grupo com o qual eu estava e mais algumas pessoas subimos para o andar superior, ele sentou-se e começamos a fazer-lhe perguntas. Eu tinha mil perguntas a fazer. Lembro-me de Bill olhando-me e rindo enquanto dizia: - Olha, Marty estamos na noite de terça-feira; você não pode fazer tudo até a quinta. A segunda coisa que me
agradou foi ouvi-lo dizer: Devemos ter muito cuidado em evitar uma coisa: (achei que o Dr. Tiebout havia falado com ele sobre mim... quem eu era, e tudo o mais) os ressentimentos. Como é que você lida com os seus ressentimentos?
Ressentimentos? - perguntei eu. Nunca tive ressentimento em minha vida!
E ele exclamou: - Não me diga! Não é possível que seja por causa da sua idade... "Eu tinha apenas 34 anos. Todos riram e me senti mal,desconcertada e muito ferida. Não sei do que estão rindo, disse. Não vejo, absolutamente, nenhuma graça. Mas Bill perguntou: - O que é que você faz, como se sente quando alguém lhe faz alguma coisa que você acha injusta, que a magoa? Ou faz uma coisa muito errada, do seu ponto de vista, que a atinge diretamente?
Sinto-me magoada, respondi. E eles observaram: - E isso não é ressentimento?
O que você acha que é? Bem, quando as pessoas me ferem desse modo, eu as evito. Simplesmente, me fecho em mim mesma, afirmei. E você percebe a quem está ferindo, não é? Perguntou Bill. Não, não sei do que está falando, retruquei. E ele disse: - Está ferindo unicamente a você mesma! Em outras
palavras, nessa noite tive a primeira lição, com Bill no papel de professor.
Era um grande professor. Lois também se recordava dessa noite: - Marty temia o que iria descobrir na reunião e preferiu ficar no andar de cima comigo.
Consegui convencê-la de que os AAs a apreciavam e precisavam dela e então descemos juntas. De volta a Greenwich, Marty contou de sua viagem ao Brooklyn para uma amiga íntima, outra alcoólica de Blythewood: - Grennie, não estamos mais sozinhas, disse ela, uma afirmação hoje famosa em A.A., porque resume o alívio que todo alcoólico isolado sente quando encontra a Irmandade.
(Fonte: Levar Adiante) Vivência nº110 - Nov/Dez/2007.
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