Inúmeros companheiros em seus depoimentos costumam dizer que alcoolismo é a doença do esquecimento. Eu mesmo já me flagrei com tal afirmativa.
Hoje, ela é para mim tão preciosa e verdadeira, como a qualidade de vida que A.A. proporciona ao alcoólico que busca praticar os princípios sugeridos pela Irmandade. Posso, num instante, esquecer-me de onde vim, posso esquecer-me da profundidade do meu fundo de poço e naquele instante acontecer o desastre.
Somos individualmente, células de um grupo, e este, célula de um formidável conjunto, que mediante seus órgãos de serviços, tem maravilhado o mundo por suas características peculiares, como a inexistência de chefias e hierarquias, como a realidade espantosa da 7ª Tradição, de difícil entendimento para a maioria dos seres humanos. E isso funciona. E isso cresce. E isso tem sido aceito pelos mais conservadores profissionais, clérigos, sociedades herméticas e isso não questiona política, religião, raça, sexo, cor. Nada proíbe, nem mesmo que os seus membros voltem a beber. Transcende à mais perfeita democracia. É tão suave e harmônico, que muitas vezes, reuniões há, em que não se pronuncia a palavra “álcool”.
Por vezes, tais reuniões são tão espiritualizadas, que nos permitem o esquecimento. São tão filosóficas que se iniciam e terminam como se estivéssemos “embriagados” pelo néctar dos deuses e nem nos lembramos que faltou nessa reunião o bêbado, o traste humano, a alma, o motivo, o motor de Alcoólicos Anônimos.
Baseados nesse paraíso que encontramos, nesse oásis de sobriedade, achamos que a vida é assim e introjetamos a serenidade adquirida e nos esquecemos conjuntamente da verdadeira origem de A.A., da mesma forma que pode ocorrer o meu esquecimento pessoal.
A nossa sobriedade melhora, a nossa vida melhora, e passamos a projetá-la sobre os que estão chegando e as temáticas aos novos e ao público são recheadas de espiritualidade apenas. Mais uma vez a doença do esquecimento nos impede de lembrar que nas origens foi escrito: “Alergia física e obsessão mental”, registrado no “Livro Azul” mediante a percepção fantástica do Dr. Silkworth, o que mais tarde se comprovou nas abordagens malsucedidas do Bill, quando o mesmo tentava empurrar “goela abaixo”, espiritualidade e Deus a seres que tinham perdido a fé em si mesmos. Bastou que o nosso Bill falasse em doença, que o Dr. Bob estacionou seu alcoolismo e A.A. floresceu.
E essa é a realidade.Todo alcoólatra é neurótico, nem todo neurótico é alcoólatra. Este, sutilmente descobriu o álcool como anestésico de suas sofridas neuroses e isso ocorreu porque o seu organismo já vinha quimicamente e neuroquimicamente esperando por tal anestésico, enquanto que os demais neuróticos continuam sofrendo com as suas angustias, porque o elixir mágico não lhes “fazia a cabeça”. Essa diferença é notável. Os neuróticos não alcoólatras apresentam perfis psicológicos muito semelhantes aos neuróticos alcoólatras. Evitar o esquecimento é reportar-se às origens. Alcoolismo é doença física.
Salvo melhor juízo, sugiro reflexão profunda aos companheiros temáticos.
(Dr. Emanuel F. Vespucci; Dra. Darci P. de Almeida) VIVÊNCIA N.° 89 MAI/JUN. 2004. Colaboração, Grupo Carmo Sion de AA
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