Dr. Laís Marques da Silva
Ex-custódio e Ex-presidente da JUNAAB
Em Alcoólicos Anônimos o que importa não é o alcoolismo, mas sim o alcoólico. Não se fazem estudos ou pesquisas sobre o alcoolismo mas dedicam-se todas as atenções e cuidados às pessoas que sofrem dessa doença. É o ser humano, é o doente que importa.
Além do mais, a Irmandade resolve o problema do diagnóstico de uma forma adequada. Ninguém faz diagnóstico, ninguém rotula ninguém mas, depois de algum tempo de convivência com membros do grupo de A.A. e chegando às suas próprias conclusões diante do que viu e ouviu nas reuniões, é o próprio alcoólico que decide ser ou não um membro do grupo e é também ele quem diz se é ou não um alcoólico. Mas as pessoas, depois de passarem por tratamentos médicos e ao se reconhecerem como alcoólicos, passam, como é natural, a ter um interesse, uma curiosidade em relação à sua doença. Desejam conhecer um pouco a cerca do alcoolismo.
A palavra alcoolismo foi usada pela primeira vez em 1849 pelo médico sueco Magnus Huss no seu trabalho “Alcoolismo Crônico”, expressão essa que se tornou o modo corrente de tratar os que apresentavam embriagues habitual, chamados a partir daí de alcoólatras, alcoólicos ou alcoolistas. Bebem repetida e excessivamente bebidas alcoólicas com prejuízos para si mesmos e para outras pessoas sendo que os danos se expandem para áreas tão diferentes como mentais, econômicas, sociais, legais, etc..
Por ser o controle voluntário muito pequeno e o beber compulsivo, o alcoolismo é considerado como adição e como doença. Daí que, numa visão simples, é tido como sendo a doença que resulta do beber compulsivo e crônico.
No entanto, do ponto de vista farmacológico e fisiológico, o alcoolismo é entendido como uma adição química que leva à necessidade de beber doses crescentes para produzir os efeitos desejados ou aliviar o desconforto da abstinência e que pode resultar na síndrome de abstinência quando esse beber é interrompido. Mas, diferentemente da adição que ocorre pelo uso de outras drogas, nem sempre o alcoólico necessita de doses crescentes da substância. Por outro lado, o alcoólico desenvolve graus variáveis e baixos de tolerância ao álcool de modo que a dose letal, aquela que leva à morte, só ocasionalmente pode ser alcançada ou ultrapassada.
Do ponto de vista do comportamento, o alcoolismo é uma desordem em que o álcool se torna muito importante na vida de uma pessoa que experimenta a perda de controle em relação ao seu beber. Aí, com dependência ou não, o consumo do álcool é suficientemente intenso para causar problemas físicos, mentais, sociais, econômicos, legais, etc. A desordem é entendida como doença porque persiste por anos, é fortemente hereditária, progressivamente incapacitante e importante causa de morte. O álcool compromete a livre decisão de beber ou não e de quando parar. Ainda, diferentemente da maioria dos maus hábitos, a força de vontade vale pouco em relação ao álcool.
Do ponto de vista sociológico, o alcoolismo é tido como um desvio social mas, ele deveria desaparecer com a maturidade, como ocorre em muitas outras formas de desvio social, mas isso não acontece com o alcoolismo. Como é quase impossível submeter todo um grande grupo de indivíduos e a estes o entendimento do alcoolismo, pode ficar por conta da quantidade e da frequência em que é ingerido, pelo número de internações relacionadas ao álcool, pela frequência de mortes por cirrose ou por prisões decorrentes de mau comportamento relacionado com o uso de álcool.
É preciso ainda discernir três condições diferentes: o uso do álcool, o abuso e a dependência. Abusa do álcool aquele que tem um comportamento social desviante em relação ao seu consumo, que bebe regularmente e, o mais importante, que apresenta problemas de saúde, além de sociais e/ou profissionais em consequência da ingestão do álcool. O abuso pode evoluir para a dependência e aí encontraremos a compulsão para a ingestão de álcool a fim de experimentar os seus efeitos ou para evitar o desconforto da sua falta. Aqui, na dependência, também são importantes os componentes sociais e comportamentais, mais ainda, os componentes biológicos e psíquicos traduzidos na tolerância e na compulsão, respectivamente. Nos conceitos de abuso do álcool e na síndrome de dependência do álcool está o que é entendido por alcoolismo. A psicose alcoólica, a cirrose hepática, a gastrite alcoólica, etc., ficam como complicações. Em rápidas palavras, beber sem problemas traduz o beber social, beber com problemas se constitui no abuso do álcool e beber com problemas e apresentando a dependência química caracteriza a Síndrome de Dependência do Álcool.
Acontece que um alcoólico na ativa pode procurar um médico porque está tendo problemas sexuais e para ele, alcoolismo pode ser a perda de potência. Para a sua mulher, que foi espancada, o alcoolismo está ligado ao espancamento. Quando, por essa razão, ela o leva ao hospital e lá o médico faz vários testes e as provas de funções hepáticas se mostram alteradas, a enzima gama glutamil transferese se encontra elevada e o volume dos glóbulos vermelhos está aumentado, o médico o considera um alcoolista em face do quadro clínico e dos exames complementares realizados. Já um pouco melhor, no dia seguinte, o paciente sai dirigindo alcoolizado e os vizinhos dizem que ele é um alcoólico porque dirige alcoolizado. Então, afinal, o que é o alcoolismo?
Do ponto de vista da quantidade de bebida consumida, uma pessoa com 100 quilos pode beber uma grande quantidade de bebida alcoólica sem apresentar muitas manifestações, mas a mesma quantidade de bebida seria catastrófica para uma pessoa com pouco peso e epilética ou ainda para um piloto de avião com uma úlcera no estômago. Um taberneiro francês que beba mais de dois litros de vinho por dia pode não ser considerado um alcoólico pelos seus parentes e amigos próximos, mas será visto como portador de alcoolismo por um membro da família que seja israelita. Então o que vale não é a quantidade da bebida ingerida mas os sintomas que resultam.
Por outro lado, uma pessoa pode ter um problema emocional e passar a beber diariamente por um tempo e ficar preocupada com o alcoolismo enquanto que outra pessoa pode beber despreocupada pela vida a fora até que surja uma grave insuficiência hepática. Quem bebe, por algum problema específico, frequentemente permanece capaz de controlar o uso do álcool, embora relate uma dependência psicológica, o que não ocorre com as pessoas que abusam do álcool.
Para complicar ainda mais as coisas, uma pessoa que estude a literatura sobre o alcoolismo fica com a ideia que ele é também um problema econômico, psicológico, fisiológico ou ainda social, isso para excluir outros aspectos do problema.
A Organização Mundial de Saúde declarou que o alcoolismo é doença em 1951 ou, mais exatamente, certas formas de alcoolismo. Mas, de modo oficial, também declararam que o alcoolismo é uma doença as seguintes associações: a Associação Médica Americana, a Associação Americana de Psiquiatria, a Associação Americana de Saúde Pública, a Associação Americana de Hospitais, a Associação Americana de Psicologia, a Associação Nacional de Assistentes Sociais e o Colégio Americano de Médicos.
A dependência do álcool pode ser tomada como sinônimo de "adição alcoólica", como"dependência fisiológica", como o alcoolismo gama de Jelinek ou ainda e simplesmente entendida como alcoolismo.
Os critérios médicos para definir a doença do alcoolismo se baseiam nas complicações médicas e nos sintomas resultantes do beber, enquanto que os problemas sociais são mais enfatizados em outras classificações. O fato é que existe uma forte correlação entre a síndrome de dependência do álcool e as incapacidades sociais que ele ocasiona. Os parâmetros que definem o modelo médico têm correlação com os desvios sociais. Isso quer dizer que médicos e sociólogos estão falando da mesma síndrome. No entanto, nem sempre a abstinência do álcool se acompanha da recuperação social. O alcoolismo não é só um problema médico em si mas também inclui todo um conjunto de situações que resultam do beber continuado.
Mas como penetrar nesta floresta, que linhas e direções podem facilitar a compreensão do que seja alcoolismo? Talvez a ideia mais fácil e curta seja a do Conselho Nacional de Alcoolismo dos Estados Unidos da América do Norte: "A pessoa portadora de alcoolismo não pode, de maneira segura e consistente, predizer, em qualquer ocasião em que beber, o quanto vai beber e durante quanto tempo".
Como veremos em seguida, não é a especificidade de um problema que define o que é entendido como alcoolismo mas sim o número e a frequência dos problemas relacionados com o uso do álcool. De uma maneira geral, todos os sintomas têm igual valor. Em outros termos, o diagnóstico do alcoolismo é feito pela variedade dos problemas relacionados com o álcool e não pela especificidade dos problemas. Nenhum sinal ou sintoma define, isoladamente, o alcoolismo.
As coisas ficam mais claras quando abordamos a síndrome a partir dos estudos do Prof. Dr. Griffith Edwards,da Universidade de Londres, que propôs uma descrição da síndrome a partir de sete parâmetros:
1. empobrecimento do repertório,
2. maior importância da bebida,
3. aumento da tolerância ao álcool,
4. aparecimento da síndrome de abstinência,
5. prevenção ou alívio da síndrome de abstinência pela ingestão de mais bebida,
6. percepção subjetiva da compulsão para beber e
7. reinstalação do quadro após um período de abstinência.
1. O empobrecimento do repertório se traduz em ir fixando o tipo de bebida, a frequência, as ocasiões em que é ingerida, em de beber mais rapidamente e em quantidades maiores a ponto de esse fato ser notado pelas pessoas mais próximas, em beber sozinho.
2. O beber vai ganhando prioridade maior em relação às atividades com a família e com os amigos, em relação à vida profissional e ao próprio corpo. As outras fontes de gratificação vão esmaecendo e a bebida vai ficando cada vez mais importante. O comportamento vai mudando em função da bebida. Trajetos organizados, frequência compromissos sociais em que se faz uso da bebida alcoólica, etc..
3. Em consequência do aparecimento da tolerância, doses cada vez maiores são necessárias para alcançar os mesmos efeitos desejados. Com as doses maiores, vêm também efeitos tóxicos mais intensos. Há casos de dependência avançada em que ocorre o fenômeno inverso, isto é, o paciente se embriaga com doses pequenas, que antes eram bem toleradas.
Estes três parâmetros se instalam ao longo do tempo.
4. A síndrome de abstinência talvez seja a mais importante manifestação da dependência. Nela ocorrem, ao acordar, usualmente pela manhã: tremores, suores, náuseas acompanhadas ou não de vômitos, ansiedade, agitação, etc. Nos casos mais severos, o paciente pode sofrer alucinações auditivas e visuais ou ainda apresentar convulsões e evoluir para o quadro de "delirium tremens”. A síndrome da abstinência revela a condição de dependência em relação ao álcool e se instala em função dos níveis baixos de álcool no sangue, sendo essa a razão pela qual costuma aparecer pela manhã, ao despertar, após serem passadas algumas horas sem a ingestão de bebidas.
5. Os sintomas de abstinência podem ser evitados ou aliviados pela ingestão de mais álcool. É o gole matinal.
6. Compulsão para beber. É entendida como sinônimo de perda de controle. Pode haver uma perda de controle ou uma desistência do controle.
7. A reinstalação, após um período de abstinência, implica na volta rápida do quadro de tolerância ao álcool. Isso pode ocorrer após anos de abstinência. Quanto maior o grau da dependência anterior, mais rápida é a reinstalação da tolerância. É uma espécie de "memória bioquímica” que permanece no organismo. É como se diz em A.A., o doente recomeça de onde terminou.
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