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sábado, 13 de janeiro de 2018

Ser abstêmio é pouco - Eduardo Mascarenhas

Ser abstêmio é pouco



Os Alcoólicos Anônimos (A.A.) e os Narcóticos Anônimos (N
A) vêem uma profunda diferença entre uma pessoa que simplesmente deixou de beber ou de usar drogas e uma outra que tenha ido mais fundo e conquistado um grau superior de moderação. Uma coisa é simplesmente se abster, outra é alcançar a sobriedade. Ser abstêmio é uma coisa. Ser sóbrio, outra.
O abstêmio é aquele que atingiu um nível inferior de convivência com sua compulsão. Ele conseguiu parar com o álcool ou as drogas, é verdade, mas não pacificou suas emoções.
Aqui cabe um esclarecimento sobre as compulsões ao álcool e às drogas, do ponto-de-vista dos grupos anônimos.
De acordo com eles, as causas dessas compulsões seriam desconhecidas. É como se existisse em certas pessoas uma voracidade específica ou, como já se disse aqui, um tubarão alcoólico ou drogado navegando em seus mares interiores. A simples presença do álcool ou das drogas o deixaria enlouquecido de desejo e, então, não haveria força de vontade humana capaz de contê-lo. Para conviver com ele, é decisivo não incitá-lo. Com o passar do tempo ele se aquieta, permanece adormecido e nem faz notar sua existência. O abstêmio chegou até aí.
Contudo ele não trabalhou sua personalidade ou suas emoções. Isso não quer dizer que fatores psicológicos possam gerar alcoolismo ou toxicomania. Já vimos que não. Essas compulsões são causadas por fatores desconhecidos e não por esse ou aquele tipo de personalidade ou emoção.
Entretanto, todos nós sabemos que certas emoções, certos modos de reação aos acontecimentos fazem determinadas personalidades ficarem completamente fora de si. Por exemplo, as emoções agressivas, as reações coléricas embriagam mais que o álcool, excitam mais que as drogas. Ou as oscilações descontroladas do humor, ora para cima, ora para baixo. Elas sacodem a pessoa por tudo quanto é lado. Num momento ela se sente eufórica, noutro, um trapo. Num dia a vida é bela e tudo vai dar certo; noutro a vida não vale a pena ser vivida. Pequenos motivos geram enormes reações. Tudo exagerado, desmedido, desenfreado.
Imaginem um abstêmio, naquele delicado equilíbrio, naquele fio de navalha que o separa de um recaída, em estados de tamanha turbulência!
Claro, se ele não fosse tomado pela compulsão química, essa turbulência não geraria senão mais turbulência. Ele apenas iria se atolando na neurose, não no álcool ou nas drogas. Todavia, se ele tem a compulsão, essa turbulência lhe poderá ser fatal.
É como se o seu tubarão, ao invés de incitado por "sangue" alcoolizado ou encharcado de drogas, fosse chocoalhado por águas abruptas e revoltas. Ele, que estava adormecido, provavelmente despertará. E tome recaída.
Emoções e personalidades turbulentas não causam dependência química. Mas favorecem recaídas.
Por isso há necessidade de ultrapassar a simples abstinência e atingir graus mais elevados de sobriedade. Tubarões não incitados, em águas serenas ou de movimentos harmônicos, aquietam-se mais permanentemente...


* Dr. Eduardo Mascarenhas ( Psicanalista )






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